quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Textos premiados em 1º lugar no Concurso Literário Universitário 2012



POEMAS:

1º Lugar: DESTAQUE LITERÁRIO - "Demônios", de Robério Campos Costa.

DEMÔNIOS


Demônios não são espectros.
Demônios são nossos medos,
nossos segredos,
nossos pensamentos.
Demônios são nossos sentimentos,
nossos ódios, nossas angustias,
nossas tristezas.

Demônios não são externos.
Demônios são nossas entranhas,
nossas intimidades,
nossas saudades,
Demônios são nossas vontades,
nossas  fomes, nossas sedes,
nossos quereres.

Demônios não são concretos.
Demônios são nossos sonhos,
nossos pesadelos,
nossas fantasias.
Demônios são nossas companhias
de nossas noites, nossas tardes,
nossos dias.

Demônios não são abstratos.
Demônios são nossos carrascos,
nossos algozes,
nossas grades.
Demônios são nossos quadros,
nossas formas,  nossos reflexos,
nossos retratos.


CONTOS: 

1º Lugar - "Feliz aniversário", de Lilian Gonçalves de Andrade.

    Feliz Aniversário

Com apenas vinte e três anos desencarnei. Não quero, aqui, relatar minúcias de minha trajetória e, tampouco, o que me levou a cruzar a linha tênue e misteriosa que separa a vida da morte.
Hoje é um dia muito importante: o aniversário de minha mãe. Consegui permissão para ultrapassar a fronteira de vidro. Rompê-la.  O mesmo portal pelo qual entrei anos atrás...
Para isso eu deveria sentar-me no lugar mais aconchegante possível e fixar o pensamento nas pessoas que eu quisesse rever. Olhos fechados, no meio da clareira que separava o jardim do riacho. Pensei em papai. Imediatamente, senti que estava me movendo –embora, fisicamente, não estivesse. O susto que a sensação experimentada me causou fez com que eu, instintivamente, abrisse meus olhos e percebesse o todo real ao meu redor.
Nova tentativa. Agora, já conhecia parte do que seria vivenciado neste dia tão especial. Olhos cerrados. Postura e lugar aconchegantes. Sensação de movimento; queda; vôo. Pensamento fixo.
Uma imagem apareceu à minha frente: papai estava sentado junto a alguns homens, bebendo. Era um senhor e sua aparência estava muito diferente daquela que eu lembrava. Corri meus olhos em volta do bar no qual eles se encontravam: novembro de 2007. Dois mil e sete? Não podia acreditar... faleci em 1995. O que aconteceu comigo durante todo esse tempo?
Papai falava pouco. Talvez porque já tivesse excedido os limites permitidos de álcool no sangue. Enfim, havia se transformado em alguém triste, de olhos opacos e cabelos brancos como a neve. Fiquei por longos minutos observando seus monólogos. Era uma estranha sensação. Parecia que eu estava assistindo televisão, pois não fazia parte da cena, diretamente. Via tudo de um viés recortado, mas que se abria mais ou menos, de acordo com a minha vontade. Meus olhos eram a lente da câmera que filmava os acontecimentos. Quem escolhia o ângulo era eu. Porém, estava ciente: deveria respeitar o tempo que me foi estipulado. O melhor seria deixá-lo e, se houvesse tempo, regressar.
Pensei na casa em que minha família vivia e, como em um passe de mágica, ela se fez realidade. Mas a magia se desfez quando me deparei com a sombra e sujeira do lugar. Uma casa vazia e empoeirada. Subi as escadas e fui até o meu antigo quarto. Encontrei tudo no mesmo lugar e fui surpreendida por uma nostalgia. Reconheci que era a saudade da vida que eu tinha e que me foi, injustamente, roubada.
Meus livros na estante, o tapete felpudo que um dia foi branco e os ursos e bichos de pelúcia que eu costumava ganhar de meus fãs. Todas essas lembranças me entristeceram. Tive muita saudade e vontade de estar viva. Fui, inevitavelmente, atingida por algumas lembranças. Mas não eram lembranças. Eram visões: fatos que eu não vi acontecerem, mas dos quais fui a personagem central... a minha morte.
Vi meu corpo sendo transportado em uma fria maca de metal. Os médicos e muitas pessoas – que me pareceram ser enfermeiros, ou algo assim – também surgiam de maneira crescente. Conversavam em voz baixa. Cochichos. Rostos surpresos.
Outra cena foi a de quando faziam as fotografias. Um rapaz do maior jornal local, que muitas vezes havia me fotografado em grandes eventos, lamentava juntamente àquele homem do qual eu era marionete. Ele me virou de bruços e colocou um pequeno papel com os dizeres entrada da bala; depois, no meu peito, as palavras saída da bala. Os choros que eu ouvi me fizeram tapar os ouvidos e, decidida a me livrar daquela angústia que desconhecia, fixei o pensamento em meus irmãos.
O tempo estava se esgotando, eu bem sabia. Meus irmãos estavam juntos. Cada um em uma parte da casa, que era triste e sem vida. Ouvi alguns latidos vindos da rua e recordei do meu querido amigo. Lá fora, de onde vinham os latidos, pensei que encontraria o meu cão de estimação, mas ele não estava. O de agora era um cão desconhecido, acho que da vizinhança. E o meu Sun? Não sei para onde ele foi. Teriam se livrado dele?
Recebi, intuitivamente, um aviso: precisava voltar. A lei da relatividade, novamente, invadiu-me. O tempo passa rápido demais quando estamos fazendo aquilo que gostamos. Era assim no tempo das minhas apresentações. Escolher o figurino, cuidar de minha aparência, hidratar-me com muita água... ensaiar. E, por fim, no dia esperado, tudo se passar tão rápido!
Enfim, precisava correr – figurativamente e, por conta do costume de estar viva, pensei assim. Lembrei-me de mamãe. Logo em seguida escutei o som do chuveiro e, após, senti o banheiro inteiro perfumado. Apesar do tempo que eu soube que se passou, mamãe ainda usava os mesmos perfumes de outrora. Sem que eu pudesse controlar as minhas emoções, chorei muito. Meu pranto cheio de saudade fugia do meu controle. Queria a minha mãe. Queria que ela soubesse que eu a amava. Hoje era o seu dia e ela parecia tão triste. Como se alheia a qualquer pequeno prazer que a vida lhe pudesse oferecer. Como se cumprindo apenas as obrigações de estar viva. Mamãe não era mais a mesma. Nada era igual. Tudo havia se rompido: tanto para eles, quanto para mim.
Recordei-me de várias cenas da minha infância e, nelas, o perfume de minha mãe era uma constante: minha mãe dançando comigo nos braços, rindo muito e usando um colar de ouro, com pequenos detalhes em pérola – presente de papai. Mamãe levando-me à escola pela primeira vez... Mamãe correndo, brincando... mamãe sorrindo...
Vapores no banheiro... mamãe estava enrolada em um roupão azul. Pouquíssimo ainda se podia enxergar. Ela usava o secador de cabelos e eu sentia o cheiro de seu xampu. Estava com tanta saudade! Quisera muito ficar ali com todos eles, ainda que não me vissem... pelo menos, poder ficar, digamos, conectada a eles. Não sei como, depois desta experiência, poderia regressar sozinha.
Algum tempo depois, o secador diminuiu a intensidade do vapor no ar, ficando apenas os resquícios nos três grandes espelhos que enfeitavam a parede do extenso balcão-armário. Agora que o observava, constatei que ele seguia os mesmos padrões de meu apurado e exigente gosto: devia ter mais de dois metros de comprimento e todo em mármore. Dali saía uma bonita pia e, ao redor dela, ou seja, distribuídos ao longo de seus dois metros, muitos perfumes e cremes. Meu perfume favorito estava ali. Na parede, logo acima de toda a extensão do armário, três grandes espelhos, divididos apenas por delicadas lâmpadas – que simulavam uma espécie de espelho de camarim...
O vapor do banho retido no espelho estava perfeito, no ponto. Mentalmente, consegui escrever nele Feliz aniversário, mamãe! Amo você! mas, nesse momento, ela olhou para trás. Disse o meu nome e começou a chorar. Creio que sentiu o meu amor, minha presença. Direcionou-se para a pia, onde lavou o rosto. Enquanto isso, cada uma das letras foi tornando-se mais e mais desfeita. Infelizmente, a mensagem no espelho, mamãe não chegou a perceber.
Vi uma luz lilás, por pensamento. Esse era o sinal de que, em breve, não estaria mais conectada ao meu velho plano. Eu estava mesmo cansada, perdendo as forças. Precisava ir, desligar a câmera.
Senti uma respiração quente em minha mão que repousava no chão, servindo-me de apoio. Essa respiração foi seguida de outra e outra... Olhei para trás e havia mais do que a clareira, o riacho ou a bela natureza que me cercava em minha presente morada. O meu amigo estava ali. O Sun viera me fazer companhia. Pelo resto de nossas eternidades.
 


CRÔNICAS:

1º Lugar - "Milagres de guarda-chuvas", de André Lima Barros. 
 
MILAGRES DE GUARDA-CHUVA

Segunda minha formação religiosa, uma frase bastante adequada para começarmos uma conversa com o Nosso Criador, uma oração, é “Querido e Amado Pai Celestial.” A partir daí, agradecemos pelas inúmeras bênçãos recebidas e solicitamos a Ele tudo aquilo que desejamos que aconteça em nossa efêmera existência terrena. Não é exatamente uma regra, uma reza, apenas uma espécie de convenção inofensiva e, logo, unanimemente aceita e utilizada.


Eu sou incorrigível, tenho que confessar. Já perdi as contas de quantos guarda-chuvas eu deixei espalhados por esse mundo a fora. E acreditem, é sempre a mesma história: está chovendo, eu saio de casa com o guarda-chuva, daí o tempo abre (o que vem ocorrendo cada vez mais frequentemente nesses últimos tempos) e eu, então, acabo esquecendo de pegar e de levar de volta para casa o bendito do guarda-chuva. Muitas vezes eu os recupero, ou porque alguém bondosamente guarda-o para depois me entregar ou eu mesmo lembro onde deixei esse artefato criado há 3400 anos lá na Mesopotâmia, onde hoje é o Iraque (e um dos poucos lugares em que eu nunca esqueci o dito cujo), e volto lá para apanhá-lo. Mas quase sempre, infelizmente, meu guarda-chuva desaparece para todo sempre. Amém.

Meu consolo é que eu não sou o único. Quem já não deixou, esqueceu o seu guarda-chuva no ônibus, na casa da tia, no taxi, na faculdade, no trabalho, no banco da praça, ...? Aposto que a grande maioria dos que estão lendo este texto já o fez mais de uma vez. E o fato mais curioso e também recorrente desse lapso coletivo de memória é que a gente, quase sempre, só volta a lembrar do nosso guarda-chuva quando volta também a chover. E é quando, amigo leitor, vem à tona a questão mais chata e cansativa dessa história: onde eu botei o meu guarda-chuva?


Tenho certeza de que se o nosso guarda-chuva fosse um ser-vivo, com raciocínio, sentimentos ou alguma relação afetiva para conosco, ele ficaria muito chateado com nossa sistemática negligência a ele, e poderia até se recusar a nos servir nos dias tempestuosos. Mas ele, o guarda-chuva, não passa de uma junção muito bem arquitetada de lona, plástico e alumínio e, portanto, nunca se magoa conosco e nos serve involuntariamente sempre que assim o desejamos.

Todavia, se fosse apenas os guarda-chuvas que nós nos restringíssemos a nos lembrar apenas nas horas de sufoco, o quão melhores seres-humanos nós todos não seríamos?!

Há pessoas que nos vem à cabeça somente quando precisamos delas. Se tudo vai bem, elas simplesmente entram para aquela lista incondicional dos plenamente dispensáveis, um tipo de depósito de bugigangas que ocupa boa parte da nossa memória. Mas quando a coisa aperta, quando a dor de barriga reaparece ou quando o tempo fecha, pedimos, prontamente e sem nenhum constrangimento, o seu auxílio e socorro. Isso, quando não somos nós a tal pessoa tratada como um mero guarda-chuva por algum avoado de plantão.

Contudo, que ninguém se considere um canalha por fazer isso. Todos, sem exceção, o fazemos ou já fomos por alguém assim tratados! É bem normal, mas nem por isso pode ser considerado agradável.  Nossos amigos, os verdadeiros, não poderiam jamais ser tratados como guarda-chuvas. Os nossos pais, que tanto se dedicaram e se sacrificaram por nós, também não. Assim como nossos irmãos, nosso próximo, resumindo, guarda-chuvas podem ser tratados como guarda-chuvas, seres-humanos, de um modo geral, não podem.

No entanto e acima de tudo, Deus não pode, nem por brincadeira, ser tratado como um guarda-chuva. Ele, definitivamente, não deve ser procurado somente nos dias difíceis, de tempestade. Ele é nosso Amigo mais fiel, nosso Pai Celestial, nosso Irmão mais amoroso e nosso Próximo mais chegado e deve, por isso, estar conosco nos dias de sol, de frio, de calor ou de vento para estar também ao nosso lado nos dias de chuva.


Porém, o que realmente me impressiona e que me motivou a discorrer sobre este analógico tema é que há pessoas (ateus ou crentes devotos) que fazem isso, comentem esse equívoco mesquinho, com tanta naturalidade e freqüência, que deveriam começar as suas orações mais fervorosas (aquelas que só proferimos quando o último recurso pensável seria uma intervenção divina, um milagre) da seguinte maneira: Querido e amado guarda-chuva, o tempo fechou, preciso de ti. Apareça.

O mais extraordinário e admirável de tudo é que Ele, não raramente, aparece mesmo. Divino!
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